quarta-feira, 3 de junho de 2015

A tempestade da alma

Já está na hora de levantar. O dia está cheio de obrigações, de deveres e de tarefas. Mas a única coisa que você consegue pensar nesse exato instante é seu desejo de que termine logo o dia para você poder se enfiar debaixo do cobertor de novo e ignorar o mundo ao seu redor. A pressão do alarme te faz remoer sobre os próximos passos da sua rotina matutina e isso te deixa ainda mais amargurada. Parece tudo ser um gasto inútil de energia, levando você do ponto X para o ponto Y sem motivo algum e sem render lucro. Na realidade, você olha para o dia seguinte e vê a mesma coisa. A semana inteira nada promete. Na realidade, pelo que parece, você está sem perspectivas para o mês. Pior, você não sabe nem para onde está indo ou exatamente por que continua fazendo o que faz todos os dias. E quanto mais você vai pensando a respeito, mais desesperada você fica. A tristeza e angústia tornam-se proeminentes no seu rosto enquanto seu marido te observa sentar na cama e apoiar seu rosto nas mãos, tentando segurar o choro. A verdade é que você se sente engalfinhada por uma sombra que já te persegue há um tempo. Você se sente mergulhada na escuridão. Você não está mais aqui. Não se lembra sequer o motivo pelo qual se sente tão pequena e tão só.

Não há palavra que teu marido diga que te console. Você não quer conversar — e o fato de que ele está tentando te faz chorar de raiva — porque já sabe a resposta e seu coração já se endureceu contra qualquer tentativa de ser confortada. Conversar com Deus já é algo batido. Você lê a Bíblia e ora todos os dias, mas parece não fazer muita diferença. A vida não promete muita coisa, só mais dor de cabeça e canseira. Se de fato a sua alegria deveria estar com Deus, porque protelar a ida para o destino final onde estará com Ele para sempre? Você já começa a considerar as opções de um fim rápido e indolor, se é que isso existe. Mas a simples ideia de findar tudo é terrível demais para você e o tamanho egoísmo que a levaria a fazer tal coisa lhe angustia mais ainda. Você se sente encurralada. A cada escapatória que procura, há mais desencanto e mais tristeza. Você se sente mais encurralada ainda. Chega a lhe afetar fisicamente. Por alguns momentos, você torna-se incapaz de realizar uma simples tarefa, como levantar-se da cama. Seu desejo é se enfiar debaixo do cobertor e se fazer de morta pelo resto da vida. Mesmo sabendo que cada dia novo é um presente do Senhor, você já decidiu pelo contrário e pergunta porque Deus não lhe poupou esse presente sufocante. Seu desejo é esquecer que você existe e que possui responsabilidades, se fingir de louca para ser internada ou fugir e largar as responsabilidades para qualquer outra pessoa assumir. Seu marido lhe pergunta constantemente por que você está assim e você não consegue responder pelo simples fato de que está mais confusa e apática do que nunca. O máximo que você consegue é chacoalhar a cabeça: "Não sei." E chorar. Chorar até a alma lhe escorrer pelo rosto.

Infelizmente, já tive manhã assim. Já acordei com lágrimas nos olhos, desejando o fim de tudo. Já tive um ódio descontrolado do mundo sem entender o por quê. E por mais que alguém apontasse para mim meus pecados, eu me fazia de surda e do meu coração, uma pedra. Eu sabia que estava sendo ingrata. Eu sabia que estava sendo injusta, egoísta e rebelde. Mas essa ciência não me libertou do poder assustadora da tristeza. Na realidade, amontoava-lhe desespero por cima. Esse meu dia começou mecanicamente e eu me mexia movida puramente por obrigação, sabendo que a situação pioraria se eu não engolisse o choro e fizesse o que precisava ser feito. Cada gesto era um sofrimento para ser realizado...

...até eu entrar no quarto vazio do meu filho para buscar uma fralda limpa. Até então, a escuridão havia dominado a casa, pois o sol ainda não havia nascido (sim, meu filho acorda muito cedo e todos os dias!). Mas diferentemente dos outros dias, o céu não amanhecera agora nublado; e fui tomada súbita e inesperadamente por uma visão maravilhosa: as frestas da janela pingavam, radiavam, explodiam com o raiar suave e acalentador de um sol que não conhecia a escuridão. Era irresistível. Timidamente, abri a janela e senti o calor na pele do rosto. O quarto bagunçado do meu pequeno encheu-se de luz dourada. Perdi o fôlego e afundei na poltrona ao meu lado. Parecia, no mesmo instante, que o físico tornava-se espiritual. Deus abrira uma janela na minha alma. Trouxe meu filho para desfrutar do momento juntos. Sentamos e curtimos um forte abraço matutino. E, pelo resto do dia, parecia que a manhã havia sido um mero pesadelo do qual eu havia despertado.

Não sei se poderia atribuir esse momento a um desequilíbrio hormonal ou ao fato de que estava numa dieta diária de amargura. Na realidade, ainda agora estou tentando entender os passos que me levaram até aquele penhasco. Acredito que há muitas pessoas hoje na mesma situação. E sei também que elas concordariam comigo em afirmar que essa experiência não é algo passível de ser compreendido numa conversa de cinco minutos com um amigo. Ninguém consegue dar uma explicação rápida e, mesmo se conseguisse, pareceria fazer pouco caso do sofrimento.

Não pretendo rotular essa experiência. Como meu marido me ensinou, rótulos limitam e aprisionam. Essa tristeza é uma emoção intensa, complexa e pessoal. Se você nunca experimentou algo parecido, será muito difícil entendê-la.

A realidade é que esse assunto é muito mais vasto do que poderíamos discutir num único post. Há montanhas de livros que tratam do assunto (apesar de que eu recomendaria poucos, especialmente a Bíblia) e os quais ainda estou estudando aos poucos. Por isso, a intenção desse post passa bem longe de tentar explicar qualquer coisa a respeito...

...apenas desejo hoje dizer o seguinte:

Eu me lembro de que, quando era criança, nas longas viagens de carro com a família que fazíamos, muitas vezes enfrentávamos tempestades à noite que me tremiam os ossos. Angustiava-me olhar pela janela sem ter controle algum sobre a direção do carro. E então, eu fechava bem os olhos e simplesmente confiava no meu pai que estava na direção. Eu tinha plena convicção de que ele era o melhor motorista que eu conhecia e que era capaz de nos levar em segurança até o destino final. Naturalmente, meu pai é falho e pecador como qualquer um e nossas vidas, no final das contas, estavam nas mãos de Deus...

Pois é... 

Às vezes nos encontramos sozinhos no nosso barquinho no meio de uma tempestade que oblitera qualquer esperança, força ou paz que nos restava. A tempestade pode vir por motivos diversos, seja por pecados que nós cometemos, por pecados que cometeram contra nós e/ou pela simples vontade inescrutável de Deus. A escuridão, o silêncio e o vazio que muitas vezes nos resta é bem real. E por mais que somos chamados pelos outros para o arrependimento, o barulho ensurdecedor, tanto da tempestade quanto do silêncio estagnante que segue, torna-se praticamente impossível qualquer ação da nossa parte.

Mas há algo que é imprescindível até mesmo para o arrependimento.

Confiar.

Confiar como aquela criança que fecha os olhos e sabe que, mesmo na sua fraqueza e sua confusão de sentimentos, Deus está no controle e Ele guia o barco. Ele é o Pai forte e poderoso no qual podemos entregar nossas vidas. Nele há esperança de um dia verdadeiramente novo com um sol que inundará nossa alma com sua luz ofuscante.

Mais maravilhoso ainda é saber que ainda que não nos restam forças para confiar, ainda que não sabemos como ou o que significa tal coisa... até mesmo isso não vem de nós, mas é dádiva de Deus (Efésios 2.8).

O que nos resta então a fazer nesse momento?

"Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus." Salmo 46.10

Minha oração hoje é por você que se encontra nessa tempestade, assim como eu já me encontrei. Não existem palavras mortais que qualquer pessoa possa te oferecer que dariam mais que um alívio temporário. Não há nada que alguém possa te oferecer que vá além daquilo que Deus oferece, pois Ele e somente Ele é o verdadeiro alívio. Seja aquela criança. Confie no Seu Pai.


6 comentários:

  1. Drika,
    Seus textos são confortadores. Já vivi muitas tempestades. O que posso dizer é que o conforto verdadeiro e a calmaria vêm de Deus somente!

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  2. Perfeito e tocante! Estou vivenciando exatamente isso. Muito obrigada por compartilhar!

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  3. Obrigada pelo texto, muito tocante!! Estava precisando dessas palavras...

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  4. Parabéns pela coragem de escrever e publicar esse texto. Acalentou meu coração, pois, pude perceber que mais pessoas sentem ou sentiram o mesmo que eu. Muitos acreditam que por sermos convertidos não podemos ter sentimentos similares aos que vc descreveu.
    Não tenho dúvida quanto a minha conversão, nem quanto a soberania e capacidade de nosso Deus, entretanto, as vezes sou arrastada por sentimentos de tristeza e solidão, mesmo experimentando as inúmeras bênçãos que Deus dispensa sobre nós.
    Que a misericórdia de Deus se renove todos os dias em nossas vidas e que possamos vencer as provações diárias com confiança Nele. Obrigada por dividir sentimentos tão íntimos.

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  5. Obrigado por compartilhar este texto. Tenho vivido dias assim e muitas vezes sinto exatamente o mesmo.Saber que não sou a única a me sentir assim, e que independente de quem sou Deus me ama, é sempre bom lembrar que Ele cuida de mim. Que Deus lhe abençoe, hoje vou dormir com mais esperança e gratidão.

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